Opinião

“Filhos-da-mãe”

Foram longos e intensos os anos que vivi, principalmente nos Açores, como “a filha da Zuraida Soares”. Sendo isso para mim motivo de eterno orgulho, a verdade é que a fatura que paguei, tanto pessoalmente, como profissionalmente, mas sobretudo emocionalmente, foi, não raras vezes, de uma enorme crueldade e de algum sofrimento. Era raro o debate televisivo que não resvalava para a ofensa pessoal, era rara a sessão plenária em que a critica não roçava ao insulto. Nada disso a demoveu, acho até que me incomodou sempre mais a mim, por ver a minha mãe ser destratada, do que propriamente a ela, que a cada nova injuria ganhava mais força para lutar por aquilo que acreditava. Lutamos lado a lado por causas verdadeiramente fraturantes, tendo uma dessas lutas culminado com uma agressão física, a uma mulher com mais de meio seculo de idade, mãe de quatro filhos, mesmo à porta da sua casa, na cobardia da escuridão da noite, que a deixou estendida no chão junto à Universidade dos Açores e que a obrigou a ser assistida no Hospital de Ponta Delgada. Nem assim se intimidou. Entre lágrimas e nódoas negras, a certeza é de que jamais deixaria de lutar pelos seus Açores, terra que amou de forma desmensurada. Vivi tudo isto na pele, e talvez seja difícil de imaginar, principalmente para quem nunca foi “filha-da-mãe”, o quanto isto é doloroso, o quanto nos enraivece, o quanto dói a impotência de, enquanto filha, nada poder fazer para que tudo isto termine! Houve momentos, em que se fosse possível teria entrada dentro daquele televisor para a tirar daquele painel, outros em que ler o jornal era uma tortura, pela forma injusta como a vi ser julgada, outros, que registo para todo o sempre, pela violência das palavras que lhe eram dirigidas, por pessoas (bem vivas na minha memória!), que o faziam apenas por discordarem daquilo que ela defendia.

Passados mais de cinco anos desde o seu falecimento, havia de chegar a minha vez de aceitar o desafio de ser candidata à Câmara Municipal da Horta, pelo Partido Socialista. Não tendo respondido no imediato, durante alguns dias, auscultei aqueles que me eram mais próximos, desde a minha família, amigos, políticos, antigos autarcas, entre outros, cuja opinião muito relevo. De todas as opiniões, aquela que talvez mais me tenha feito vacilar, até pela experiência que trago na mochila, foi a preocupação que muitos transmitiram relativamente à exposição pública que todo o processo acarreta, especialmente no impacto que isso poderia ter no seio da minha família. Num exercício retrospetivo, nada do que eu possa ter feito no meu passado me faz vacilar. Quando muito, poderá haver algum desígnio em particular, em que pudesse ter feito melhor do que aquilo que fiz, mas isso faz parte da vida e de toda esta caminhada de aprendizagem.

Por outro lado, e considerando que passamos uma fase negra da nossa democracia, que fez com que a nossa sociedade se afastasse cada vez mais da forma tradicional de se fazer política, acreditei ingenuamente que os partidos que se dizem democráticos, fossem capazes de repensar as suas ações, o seu discurso, até os seus protagonistas. Ainda longe das eleições, já percebi que me enganei redondamente. Afinal, o foco continua a ser descredibilizar o candidato, mesmo que para isso se socorram de expedientes completamente falsos, fantasiosos e acima de tudo, tremendamente injustos. Afinal, tudo estremece quando alguém se assume como oposição, como se esta, não fosse, per si, o garante de uma democracia saudável, de um executivo exigente, transparente, coerente, e acima de tudo sem medo do escrutínio.

Da minha parte, a única certeza é que não é por aí que vão conseguir fazer com que me afaste um milímetro daquilo que é a minha missão. Ademais, encaro a injúria, como um reflexo das intenções ou fragilidades alheias, mantendo-me firme aos meus valores e objetivos.

Infelizmente, não posso evitar que os meus filhos sintam os dissabores de serem “filhos-da-mãe”, tal como eu senti. Resta-me, por um lado, prepará-los para lidar com isso, e, por outro, pautar a minha atuação de forma a não contribuir nunca para que os filhos dos meus adversários políticos sintam esses dissabores.